Parte de mim

A camisa era branca, bordada, com a manga em balão. Pensei logo: vai ficar linda com aquela saia ou até com aquelas calças de ganga... Mas não era minha. A minha madrinha ofereceu-a à minha Mãe, quando veio de viagem. Passados uns dias saímos em família e eu perguntei: não levas a camisa? Hoje não, noutro dia. 

Uns dias depois a minha Mãe foi operada. Era um tumor que não se tinha manifestado. Foi retirado. Ela veio para casa, debilitada, doente. Quando saía para a quimioterapia, para as consultas, para o Hospital, nunca queria levar a dita camisa porque 'levo numa ocasião especial' dizia. Porque para a minha Mãe ocasião especial era sair com os filhos, arranjada, bonita, de mãos dadas com o marido. 

Fomos a uma cabeleireira quando lhe começou a cair o cabelo. Não havia uma peruca que gostasse, uma com a qual se sentisse ela própria. Eu sentei-me na cadeira e disse à cabeleireira: corte. Tinha o cabelo quase pela cintura, não era pintado. Era apenas um cabelo com caracóis, que a minha Mãe adorava. Ela não deixou. Acabou por trazer uma das perucas que lá estava e acho que o fez apenas para eu não cortar o meu. 

No dia do seu último suspiro, quando repousou a cabeça no meu peito disse-lhe repetidas vezes que gostava dela. Não me lembro se lho disse antes, assumia que sabia. Lavamos o seu corpo já sem vida e vestimos-lhe a camisa que guardou para uma ocasião especial. A saia foi a que usou quando fez 25 anos de casada. Lembro-me de ter feito uma trança fininha, e de a ter cortado para lha por no bolso. 

E isto ensinou-me várias coisas: a dar valor às pessoas enquanto fazem parte da nossa vida. Porque não deixam de fazer parte apenas quando partem, mas quando seguimos caminhos diferentes. A viver a vida todos os dias, a usar os melhores copos à 3ª feira e a não deixar nada por usar nem por fazer. Porque sim, a vida é um ai. 

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